Estimular a aprendizagem das crianças é um desafio para as famílias e os educadores, sobretudo diante da hiperconexão desde o berço. Para a fonoaudióloga e psicopedagoga Telma Pantano, o longo tempo em frente às telas se tornou uma realidade, mas os pais precisam ficar atentos ao estímulo a que elas são submetidas quando estão mergulhadas nos smartphones, computadores e videogames.
Telma explica que os impactos das restrições ao convívio social na pandemia, em que crianças e adolescentes ficaram afastados da escola, estão longe de serem relacionados unicamente às questões pedagógicas. O grande problema, disse ela, serão os impactos nas habilidades socioemocionais, como empatia, autoconhecimento e cooperação.
Veja os principais trechos da entrevista:
1) Como estimular mais as crianças e melhorar a aprendizagem?
Precisamos pensar em como queremos que elas aprendam. Se quisermos que seja no contexto escolar, vai ser necessário estimular nas crianças processos cognitivos que envolvam treinos de atenção, memória, autonomia e flexibilidade mental, consideradas funções cognitivas maiores.
Então, por exemplo, uma criança que consiga controlar sua atenção por mais tempo vai conseguir, evidentemente, prestar atenção por mais tempo. E uma criança com uma boa memória operacional vai conseguir dar significados para os aprendizados por mais tempo.
E como a gente pode preparar as crianças para aprender melhor? Dando estímulos que sejam cada vez mais complicados, mais complexos, e que exijam mais função cognitiva dentro de um processo contínuo. É sempre importante definir qual é o foco do aprendizado.
2) O que uma criança deve aprender?
Essas habilidades cognitivas e socioemocionais são aquelas que são colocadas diariamente para as crianças e é importante que seja assim. Porque não adianta o cérebro desenvolver só as habilidades cognitivas ou só as socioemocionais ou vice-versa. Mas para dizer como a gente vai conseguir estimular tudo isso será necessário analisar as particularidades do ambiente em que a criança está inserida e as características da família e do ambiente escolar.
3) Quais são os diferentes tipos de aprendizagem e conexões neuronais?
Para o cérebro, é tudo memória. Toda vez que eu tenho uma conexão neuronal, tenho uma memória. A diferença entre aprendizado e memória é qualitativa. O aprendizado tem a ver com a construção de redes neuronais. Definir quais aprendizagens existem depende de entender quais as redes neuronais que aquele que está aprendendo tem e organiza.
Inteligência pode ser definida como o que fazemos com as nossas memórias. Inteligência é a nossa capacidade de resolver nossos problemas. Quando pensamos em cérebro, obrigatoriamente pensamos em conexão. E quando a gente fala em aprendizagem, não estamos falando obrigatoriamente dos aprendizados na escola.
Porque para a neurociência não existe Português, Matemática, História ou Geografia. É tudo conexão, e quando essa conexão se repete em um determinado tempo, o cérebro entende que ela é importante, e a gente forma uma aprendizagem.
4) O que é plasticidade neuronal?
É a capacidade de adaptabilidade do nosso cérebro. Por isso que conseguimos transitar em ambientes com demandas sociais diferentes. As pessoas tendem a pensar nisso quando há uma lesão, considerando a capacidade do nosso cérebro de se regenerar, por exemplo. Mas não é só isso. Essa capacidade é posta à prova diariamente. O cérebro leva mais ou menos seis meses para automatizar um comportamento e executá-lo com o menor gasto de energia possível.
5) Neste contexto, seria correto fazer uma comparação com o exercício: as pessoas sempre dizem que no começo é mais complicado, e depois a gente se acostuma?
Exatamente isso. O cérebro é regido pelas mesmas leis de um corpo biológico. Quanto mais eu faço uma coisa, mais tranquilo fica realizá-la. Quem continuou exercitando a atenção, por exemplo, vai estar melhor depois da pandemia.
6) E quais os impactos da pandemia?
Não são os impactos no Português ou na Matemática, isso a gente recupera. O problema está no fato de que o cérebro está “destreinado”. Quanto tempo as crianças ficaram sem treinar a atenção delas, por exemplo. A gente está vendo casos de crianças estressadas, nervosas. As memórias não foram “treinadas”. O cérebro está despreparado para voltar ao contexto escolar e social.
7) Como dar significado para os aprendizados que acontecem dentro ou fora da escola?
A melhor forma de lidar com esse problema é fazer a associação com aquilo que já se sabe. Quando pego coisas que já sei, estou ativando as redes neuronais com aquelas conexões que já tenho.