A cearense Ana Paula Rodrigues, de 47 anos, fez uma prótese com um copo de liquidificador e um cano PVC para usar na perna amputado, após aguardar por mais de um ano para receber o equipamento da Prefeitura de Sobral, no norte do Ceará. Especialistas ouvidos pelo g1 alertam para os riscos e problemas de usar o equipamento improvisado por um período prolongado.
Diagnosticada com câncer há cinco anos, Ana Paula soube durante o tratamento oncológico que também estava com diabetes. Devido às doenças, a mulher, que trabalhava como faxineira e ambulante, teve que largar as atividades que garantiam o sustento dela e dos dois filhos.
Neste período, Ana Paula ainda teve que enfrentar uma ferida no pé, que se agravou, fazendo com que fosse necessário que ela amputasse parte da perna esquerda, abaixo do joelho. Após a cirurgia em 2022, a dona de casa solicitou uma prótese na Prefeitura de Sobral, mas ainda não foi contemplada.
Como alternativa, ela e os filhos tiveram a ideia de fazer uma prótese artesanal com um copo de liquidificador e um cano PVC, o que garante que Ana possa se locomover pela casa com o auxílio de um andador.
O médico ortopedista Eduardo Vasconcelos avaliou a prótese improvisada pela família e destacou que, a longo prazo, a alternativa pode causar problemas como infecções e até mesmo atrapalhar quando a prótese definitiva chegar.
"Como o copo de liquidificador e o PVC não foram feitos sob molde para o coto de amputação da paciente, isso vai gerar pontos de pressão maior em algumas regiões. Isso começa a ferir o coto, começa a fazer úlcera e ser uma porta de entrada para infecções que podem até colocar em risco a vida da paciente, em casos de sepse", indica o especialista.
Um dos pontos mais sensíveis na produção das próteses, que são feitas sob medida, é a região chamada molde. O molde é a ferramenta que conecta o membro amputado àquela área mecânica da prótese. No caso de Ana Paula, por exemplo, o molde deve conectar o coto de amputação à região da canela da prótese.
Eduardo destaca que o uso prolongado da prótese improvisada feita pela família pode, inclusive, gerar problemas no futuro para firmar a prótese definitiva.
“Esses pontos de pressão [da prótese improvisada com a amputação] começam a deixar sem qualidade a pele, o osso. E aí, às vezes, para fazer uma prótese definitiva, quando ela vir a conseguir essa prótese, não vai ser mais naquele nível [da amputação] porque não tem mais musculatura, não tem mais tecido, para encaixar a prótese”, explica, indicando que a área de amputação teria que aumentar em um caso como esse.
O ortopedista Ricardo Castro chama atenção para a demora da rede pública de saúde em entregar a prótese definitiva para Ana Paula, uma vez que, segundo o especialista, o ideal seria que o processo de fisioterapia com a prótese começasse logo que o processo cirúrgico encerrasse.
“A condição ideal seria que o paciente já saísse da sala de cirurgia com o molde dessa prótese e já começasse o tratamento de reabilitação fisioterápica de imediato. No primeiro, segundo dia de pós-operatório, o paciente já comece a se movimentar com esse molde, com essa futura prótese, e ao longo da recuperação até que se faça confecção da prótese definitiva, são feitos diversos moldes, até a adaptação do paciente”, detalha o médico.
Após meses de espera, a família resolveu improvisar uma alternativa para a prótese que não chegava.
“A gente viu no YouTube um rapaz fazendo [prótese]. Só que a amputação dele não era transtibial, foi só o pé e a canelhinha dele era fina e cabia no cano. A gente foi tentar com o cano, mas não coube o que sobrou da minha canela. Então temos com o copo de liquidificador, botamos uma esponja e deu certo. No mesmo dia que a gente fez eu já botei. Foi uma alegria doida ficar em pé de novo”, relatou Ana Paula.
Segundo a dona de casa, apesar da prótese artesanal ajudá-la atualmente, o equipamento não supriu totalmente as necessidades dela.
"A gente foi atrás de saber quanto era a prótese, como é que é, e um rapaz da clínica disse que minha prótese é diferente, porque eu tenho diabetes e é um material diferente.[Ele disse] Que eu não ficasse andando com essa não, pois poderia me prejudicar. Por isso, eu preciso da minha prótese. Preciso muito da minha perninha, porque eu sou mãe de família preciso me virar e está complicado", disse a dona de casa.
Em nota, a Prefeitura de Sobral informou que a paciente se encontra na fila de espera, aguardando a liberação e medição da prótese. O órgão não disse em quanto tempo isso será feito.
O g1 questionou a prefeitura sobre os motivos da demora e quais os critérios levados em conta na fila de espera, mas não obteve resposta até o momento.
Enquanto aguarda receber a prótese, Ana Paula segue fazendo fisioterapia no Centro de Saúde da Família, da prefeitura, e se mantém com um auxílio financeiro.