O pedido de impeachment de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deve prosperar. É o que avaliam constitucionalistas ouvidos pela reportagem e que não veem fundamento constitucional no argumento de parlamentares críticos da declaração do presidente da República
contra Israel.
Em uma conversa com jornalistas durante passagem pela Etiópia, na semana passada, Lula comparou a ofensiva de Israel em Gaza ao Holocausto, extermínio em massa de judeus comandado por Adolf Hitler, na Alemanha. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula.
No exterior, a comparação gerou um desconforto institucional entre os dois países. No Brasil, parlamentares de oposição – e até de partidos que compõem a base de governo – a usaram como munição para tentar bombardear o mandato do presidente brasileiro. Os deputados alegam que a declaração de Lula configura um crime de responsabilidade previsto no parágrafo 3 do artigo 5º da Lei do Impeachment. “São crimes de responsabilidade contra a existência política da União: cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”, diz o texto da legislação.
O doutor em direito constitucional pela USP Hugo Sauaia lembra que os crimes de responsabilidade são políticos e que podem, sim, resultar em perdas de mandato se configurarem um ato afrontoso a alguma norma da Constituição. Ele entende que a referência usada a um
assunto tão delicado para a humanidade quanto o nazismo é “ruim”, mas não a entende como um ato hostil capaz de envolver o Brasil em uma guerra.
“O ato de Lula, para ser criminoso, precisaria ser hostil ao ponto de contrariar as normas de conduta da Constituição. O exemplo pode soar grosseiro e deselegante, mas nada mais foi do que dizer para os palestinos: ‘Vocês são um povo marcado e estão deixando que isso se repita na história’”, disse Sauaia.
“Mas a decisão é do Congresso, que tem autonomia para seguir com o processo de impeachment ou não. Mas, por lá, tudo tem a ver com política, então vão assinar, protocolar, e o pedido vai pra gaveta”, acredita. Mestre em direito público pela PUC Minas e advogado constitucionalista, Fabrício Souza Duarte admite que legalmente o pedido da oposição é viável, mas que a mera fala do presidente não geraria a hipótese prevista em lei. “Está mais para barulho, mas não tem efeitos jurídicos”, assegura.
Fabrício também não faz a leitura de que a fala de Lula coloque em risco a soberania do Brasil, mas ressalta que o fato não invalida o ato político em si de movimentar a oposição contra o petista.