
(Foto: Rádio Cidade Camaquã)
O Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Camaquã, confirmou a morte de três pacientes que se submeteram ao tratamento alternativo, que consiste em aplicar hidroxicloroquina diluída em soro na nebulização dos pacientes. Todos os casos ocorreram entre segunda (22) e esta quarta-feira (24), com enfermos da Covid-19 evoluindo de quadros clínicos graves e estáveis para o óbito após o início dos tratamentos experimentais ministrados por uma médica camaquense.
Os protocolos clínicos da instituição preveem apenas a prescrição da hidroxicloroquina pela via oral, mas a médica passou a aplicar a técnica experimental da nebulização do fármaco diluído, o que não é previsto pelos regulamentos medicinais.
O tratamento alternativo adotado pela profissional repercutiu em todo o país, e muitas pessoas ficaram do lado da médica.
A direção do hospital evita fazer conexão direta entre as mortes e o tratamento alternativo, mas avalia que a técnica vem contribuindo para a degradação da saúde dos doentes.
— Não verificamos que a nebulização esteja contribuindo para melhorar o desfecho dos pacientes. Os indícios sugerem que está contribuindo para a piora porque todos os casos (de óbito) apresentaram reações adversas após o procedimento — diz Tiago Bonilha de Souza, médico e diretor-técnico do hospital.
A profissional atuava no pronto-socorro do hospital e foi afastada pela direção da instituição de saúde no dia 10 de março.
Apesar do desligamento, a profissional seguiu ministrando o tratamento experimental para alguns pacientes no hospital, que assinaram um termo de conciliação informando que pretendiam aderir à nebulização de hidroxicloroquina — não há comprovação de que o fármaco é eficaz no combate à covid-19 e os médicos alertam para efeitos colaterais.
Uma paciente chegou recorrer ao judiciário para possuir o direito de fazer uso do tratamento alternativo contra a Covid-19, realizada pela profissional, entretanto, acabou vindo a óbito, poucas horas depois de concedida a liminar.
Dos três óbitos de pacientes que se submeteram ao tratamento alternativo, é o de um homem, cuja família assinou o termo de conciliação. Havia desejo de tratamento com a médica e o hospital, entendendo que não poderia impedir, propôs a assinatura do documento em que se eximia de responsabilidade por eventuais consequências. O paciente estava sob cuidados da equipe regular do hospital até as 18h de segunda-feira (22) e, a partir das 19h, Eliane assumiu o seu tratamento integral.
O paciente estava em leito clínico, seu quadro era considerado estável, sem necessidade de entubação ou UTI até aquele momento. Os médicos que o atendiam haviam planejado reduzir o fluxo de oxigênio — ele estava recebendo oito litros por minuto em máscara de Hudson. Correram pouco mais de 14 horas após o início das nebulizações até que o homem viesse a falecer na terça-feira (23), às 9h30min, apresentando falta de ar e queda de saturação (oxigênio no sangue).
— No atestado de óbito, a doutora Eliane não colocou a covid-19 como causa. Citou outras, mas não a covid. Ter informado isso era obrigatório, até pelas restrições no velório e enterro, e já havia teste positivo. Orientamos a nossa equipe e a família a proceder com os critérios de óbito por covid — diz Maurício Costa Rodrigues, assessor jurídico do Hospital Nossa Senhora Aparecida.
Outro paciente do tratamento experimental que faleceu fez a primeira inalação da hidroxicloroquina na sexta-feira (19), enquanto estava em leito clínico, embora seu quadro já fosse considerado grave, com entubação e ventilação mecânica, aguardando liberação de UTI. Feitas as nebulizações, o quadro do enfermo seguiu piorando e ele acabou internado na UTI. Após apresentar taquicardia, o homem morreu na madrugada desta quarta-feira (24).
O terceiro caso envolve uma mulher que fez uma nebulização de hidroxicloroquina com a médica no domingo (21) à tarde. Ela também já estava em situação considerada mais grave, entubada, em ventilação mecânica e aguardando leito de UTI. Ainda no domingo, já próximo da meia-noite, a Justiça emitiu uma decisão liminar autorizando Eliane a fazer o tratamento experimental na paciente, desde que ela assumisse a assistência integral, e não apenas fizesse as nebulizações e deixasse o restante dos procedimentos com outros médicos.
Após ser comunicada pela direção do hospital do despacho, Eliane informou que não teria condições de assumir o paciente de forma integral, o que está registrado no processo judicial. Na segunda-feira (22), um dia após ter feito a sessão de nebulização, a paciente morreu. Ela também apresentou taquicardia antes do óbito, informa a direção-técnica do hospital.
REPERCUSSÃO
As nebulizações de hidroxicloroquina diluída ganharam repercussão na última quinta-feira (18), quando um paciente afirmou aos veículos de comunicação de Camaquã que venceu a Covid graças ao hidroxicloroquina. Dalvi Soares participou do programa Cidade Aberta, na Rádio Cidade. Com a repercussão, o presidente Jair Bolsonaro entrou em contato com o paciente e a médica camaquense.
Durante uma entrevista à uma emissora de rádio, o presidente Bolsonaro fez referências positivas ao caso do paciente que buscou atendimento em Camaquã após apresentar sintomas da covid-19. A profissional havia feito nele a nebulização com hidroxicloroquina e, após a alta, tanto a médica quanto o parlamentar passaram a afirmar que o tratamento experimental havia salvo sua vida.
Na noite de ontem (24), o Hospital Nossa Senhora emitiu nota sobre os últimos óbitos, confira:
"NOTA DE ESCLARECIMENTO
O Hospital Nossa Senhora Aparecida (HNSA), de Camaquã, Rio Grande do Sul, vem a público prestar esclarecimentos, diante dos acontecimentos em relação aos óbitos de pacientes que se submeteram ao tratamento experimental de inalação de hidroxicloroquina, feitos pela Dra. Eliane Scherer.
A Dra. Eliane Scherer, até o dia 10 de março de 2021, compunha a escala médica do pronto socorro do HNSA. Apedido da direção do hospital, a profissional foi afastada da escala após ter tentado obrigar a equipe assistencial a administrar pela via inalatória uma solução com Hidroxicloroquina, de procedência desconhecida, não prescrita em prontuário, manipulada pela própria médica.
Após o ocorrido, houve grande mobilização em torno do seu desligamento da escala sob o pretexto de o tratamento estar salvando vidas, inclusive com o depoimento de um paciente em um veículo de imprensa local. Diante do ocorrido, a referida médica passou a ofertar o tratamento aos familiares e pacientes que chegavam ao Pronto Socorro do Hospital, bem como aqueles internados na instituição.
Assim, houveram famílias que face a seu desligamento da escala do Pronto Socorro, contrataram a referida médica para acompanhar os pacientes, solicitando assim, que fosse administrado o tratamento experimental. Como se tratava de terapia experimental, houveram médicos que se negaram a prescrever o tratamento aos pacientes sob seus cuidados, razão pela qual, as famílias buscaram o poder judiciário para permitir que fosse feito o tratamento com a inalação da solução de HCQ.
Houve deferimento de liminar para que fosse administrado o tratamento, sob a condição de que a médica assumisse a integralidade da assistência de seus pacientes. Por essa razão, o hospital firmou com outras famílias que tinham o mesmo interesse em aplicar o tratamento em seus familiares, termo de acordo no qual a médica e os familiares se responsabilizavam pelas consequências do tratamento, e tinham ciência de que não havia nenhuma comprovação cientifica quanto ao mesmo. Assim, além de dois pacientes que já haviam recebido o tratamento, duas outras famílias entregaram aos cuidados da Dra. Eliane Scherer seus familiares.
Dos quatro pacientes internados que receberam o tratamento por inalação de HCQ, três deles vieram a óbito. Por se tratar de um tratamento sem comprovação cientifica, o Hospital não pode afirmar que houve relação direta entre os óbitos e a inalação com HCQ, por sua vez, não verifica que a nebulização contribuiu para melhorar o desfecho dos pacientes. Os indícios sugerem que está contribuindo para a piora, porque todos os casos (de óbito) apresentaram reações adversas após o procedimento.
Assim, o Hospital informa que continuará envidando todos os seus esforços para atender os seus pacientes, respeitando os protocolos aprovados pelos órgãos de saúde nacionais e internacionais.
Estamos vivendo um verdadeiro furacão. No auge do agravamento da pandemia, quando os sistemas de saúde estão à beira de um colapso, enfrentamos essa situação tão desagradável. O Conselho Regional de Medicina já está ciente e estamos aguardando uma manifestação sobre o caso.
Afirmamos que esse tipo de terapia ( nebulização com cloroquina) aplicada pela Dra Eliane Scherer transcende o que chamamos de prescrição off label. A instituição não tem experiência com este tratamento experimental, já que não há referências seguras para a aplicação do mesmo, portanto, opta por não fazê-lo.
Infelizmente, nesse cenário de desespero, polarização e politicagem, diante de muita pressão da sociedade, permitimos que, via judicial e, de maneira formalizada, os pacientes que desejavam receber essa terapia, assim o fizessem.
Reafirmamos que não temos como atribuir melhora, ou piora relacionada diretamente ao procedimento experimental, mas de fato, o desfecho final de três pacientes submetidos a terapia foi óbito. Todos eles tem documentado em prontuário taquicardia, ou arritmias, algumas horas após receberem a nebulização. Dois deles já estavam em grave estado geral, com insuficiência respiratória em ventilação mecânica e um deles estava estável, recebendo oxigênio por máscara com boa evolução.
Acreditamos que a Dra Eliane Scherer e os familiares, em momento algum quiseram causar mal aos pacientes e que essa ou qualquer tipo de terapia deve passar por profunda investigação e pesquisa científica antes de ser aplicada.
Esperamos que haja mais entendimento por parte dos pacientes em tratamento de que, até o momento, estamos lutando com todas as armas que temos e fazendo o melhor que podemos.
Hospital Nossa Senhora Aparecida."