Menos de dois meses após o corpo de uma menina de 9 anos ser encontrado dentro de contêiner de lixo na cidade de Guaíba (Região Metropolitana de Porto Alegre), a mãe da criança passou a constar como ré perante à Justiça. Ela havia sido denunciada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) por homicídio doloso (sem intenção), agravado por omissão. A mulher poderá ser submetida a júri popular, assim como o pai da criança, por abandono.
O caso ocorreu no início da manhã de 9 de agosto, quando um homem que procurava materiais para reciclagem no bairro Cohab Santa Rita topou com o pequeno corpo de Kerollyn Souza Ferreira e acionou a Brigada Militar. O laudo do Instituto-Geral de Perícias (IGP) apontaria, semanas depois, que o óbito foi causado por asfixia mecânica mista.
Houve uma combinação de fatores: a ingestão de medicamento sedativo e sem prescrição (fornecido pela mãe), a posição dela na lixeira e as baixas temperaturas naquela madrugada.
Conforme o promotor Rafael de Lima Riccardi, que atua na comarca e é o responsável pelo caso, a acusada descumpriu o dever legal de proteção, além de criar risco de morte ao ministrar medicamento à criança. Ele também pediu ao Poder Judiciário a prisão preventiva da ré, mas a Justiça decidiu pelo monitoramento com tornozeleira eletrônica – o MP-RS recorrerá do benefício.
A mulher ainda foi denunciada por maus-tratos, inclusive em relação a outros três filhos, considerando-se o histórico de omissão familiar. Já o pai da menina foi denunciado por abandono material, por ter deixado de prover auxílio à subsistência da criança, mesmo com as tentativas da rede de proteção e o desejo da criança em retomar contato com ele. Ele também pode sentar no banco dos réus por crime conexo.
O promotor comenta: “A morte de Kerollyn é consequência direta da conduta da mãe, que corriqueiramente permitia que a filha transitasse pelas ruas sem qualquer supervisão, inclusive na lixeira em que foi encontrada”.
Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Júri do Ministério Público gaúcho, o promotor Marcelo Tubino acrescenta: “Este é um caso de homicídio doloso porque os pais têm obrigação pelo zelo, vigilância e cuidado, o que não ocorria há muito tempo com a menina. Kerollyn vinha sendo morta um pouco a cada dia. Esses réus não praticaram o mínimo de civilidade em relação a essa criança”.
Outros detalhes
Kerollyn morava em uma casa na região com a mãe e dois irmãos menores, de 5 e 3 anos. De acordo com relatos de testemunhas, a garota era vítima de negligência, passando por episódios de fome, frio e maus-tratos, além de ser vista esmolando em ruas da cidade.
A mulher, de 30 anos, teria envolvimento com álcool, drogas e prostituição. Já o pai vive em Santa Catarina. O caso já havia sido encaminhado ao Conselho Tutelar, que informou ter aberto expediente sobre as denúncias de violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Após o trabalho do IGP no local onde o corpo foi encontrado, o contêiner foi apreendido para análises complementares. O imóvel da família também foi visitado pelos agentes.
No momento em que era conduzida para prestar depoimento, a mulher foi alvo de tentativa de linchamento por moradores da região, mas a Brigada Militar (BM) interveio a tempo de evitar que essa intenção se concretizasse. Um grupo, entretanto, vandalizou os vidros da casa onde a menina residia.