A Polícia Civil afirma que vê "fortes indícios" de que a suspeita de colocar arsênio na farinha de um bolo de frutas cristalizadas e provocar as mortes de três mulheres em Torres (RS) tenha praticado outros envenenamentos. Nesta sexta-feira (10), as autoridades confirmaram que uma quarta pessoa, o sogro de Deise Moura dos Anjos, também ingeriu arsênio antes de morrer.
"A gente não tem dúvida de que se trata de uma pessoa que praticava homicídios e tentativas de homicídios em série, e que durante muito tempo não foi descoberta, e durante muito tempo tentou apagar provas que pudessem levar a atribuição de culpa a ela", afirmou a delegada regional do Litoral Norte do RS, Sabrina Deffente.
De acordo com Sabrina, os novos casos sob investigação seriam de pessoas próximas da família. Se confirmada a suspeita, o número de mortes por envenenamento pode subir para 5. Para isso, o corpo dessa possível vítima pode ser exumado - se não tiver sido cremado. O procedimento é realizado, mediante autorização judicial, para atestar ou não a presença de substâncias no organismo, como arsênio.
"São pessoas do círculo familiar. A gente tá apurando essas questões aí [sobre o número de novos casos sob investigação]. Mas tem uma suspeita sobre um falecido já. A gente vai aprofundar um pouco mais as investigações", explicou a delegada.
Em nota, a defesa da suspeita Deise Moura dos Anjos, presa temporariamente, alega que "as declarações divulgadas ainda não foram judicializadas no procedimento sobre o caso" e que "aguarda a integralidade dos documentos e provas para análise e manifestação". (Leia abaixo a íntegra)
A perícia feita no corpo de Paulo Luiz dos Anjos, morto em setembro, constatou que ele ingeriu arsênio antes de morrer. O sogro de Deise morreu de infecção intestinal após consumir bananas e leite em pó levados à casa dele pela nora. A polícia confirmou nesta sexta que a causa da morte do homem foi envenenamento.
A polícia informou ainda, nesta sexta, que Deise comprou arsênio quatro vezes no período de quatro meses, sendo que uma dessas compras foi anterior à morte do sogro, e as outras três antes da morte das três mulheres em dezembro. O produto teria sido comprado pela internet e recebido pelos Correios.
Certidão de óbito de sogro de mulher suspeita de envenenar bolo no RS — Foto: Reprodução/RBS TV
A morte do sogro
Depois do caso do bolo ser revelado, a polícia passou a investigar se Deise Moura dos Anjos tem envolvimento também na morte de Paulo Luiz dos Anjos. Exames feitos após a exumação do corpo apontam que ele ingeriu arsênio antes de morrer.
Nas mensagens enviadas à Zeli dos Anjos, Deise Moura dos Anjos disse ainda que "nem polícia nem perícia" poderiam ajudar a família a descobrir a causa da morte de Paulo Luiz dos Anjos.
"Acho que precisamos rezar mais, aceitar mais e não procurar culpados onde não há. Só os momentos que Deus nos reserva, isso sim, não têm volta. Nem polícia nem perícia que possa nos ajudar a desvendar", diz a mensagem enviada por Deise à sogra.
Mensagem enviada pela suspeita de envenenar bolo em Torres para a sogra — Foto: Jonathan Heckler/Agência RBS
Em outra mensagem enviada à sogra, Deise lista motivos que poderiam ter causado a morte de Paulo:
"Não sei, acho que eu não faria nada, pois poderia ter sido várias coisas: intoxicação alimentar, negligência médica, a banana contaminada pela enchente, ou simplesmente a hora dele... Sei lá."
Em outra mensagem apresentada pela polícia, enviada para uma pessoa com quem mantinha relacionamento, Deise desabafa:
"Se eu morrer, cuide do meu filho e reze bastante por mim, pois é bem provável que eu não vá para o paraíso."
O relatório preliminar da extração de dados dos celulares apreendidos, ao qual a reportagem teve acesso, apontou ainda buscas feitas na internet por termos como "arsênio veneno", "arsênico veneno" e "veneno que mata humano". As informações constam da representação da Polícia Civil pela prisão temporária da suspeita.
Qual é a origem da contaminação?
O Instituto Geral de Perícias (IGP) do Rio Grande do Sul detalhou o processo das análises que detectaram a presença de arsênio na farinha do bolo que causou as mortes das três mulheres.
Ao longo de uma semana, 89 amostras foram analisadas, e em apenas uma, a da farinha, foi encontrado arsênio. O composto estava em uma concentração 2.700 vezes maior que a encontrada no bolo.
Para encontrar a origem da contaminação, foi utilizado um equipamento de fluorescência de raio-X. O material tem uma série de bancos de dados para a identificação de metais usados, principalmente no solo, mas também em ligas metálicas como joias.
Ao fazer o escaneamento das amostras, o equipamento mostrou uma lista de concentração de quais metais poderiam estar presentes nessas análises. Segundo Lara Regina Soccol Gris, chefe da Divisão de Química Forense do IGP, o arsênio encontrado foi o material mais presente na farinha.
"Nós testamos o próprio bolo com esse equipamento. Já acusou muito positivo, digamos assim, pro bolo. E para farinha, então, foi uma concentração muito superior", explica.
Amostras coletas pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) — Foto: Reprodução/ RBS TV
O IGP também analisou o material coletado nas três pessoas que morreram. Maida e Neusa, irmãs de Zeli, e Tatiana, sobrinha da idosa. Os exames mostraram uma alta concentração de arsênio no estômago, no sangue e na urina das vítimas.
No estômago de Tatiana, a perícia identificou a concentração de 384 mil microgramas de arsênio por litro, sendo assim a maior de todas. Isso significa que a concentração estava 11 mil vezes acima do que poderia ser considerado uma contaminação acidental.